sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Marcas da verdadeira religião

Estando Deus oculto, toda religião que não diz que Deus está oculto não é verdadeira; e toda religião que a isso não faz referência não é instrutiva. A nossa faz tudo isso: Vere tu es Deus absconditus (Is 45:15).

Essa religião, que consiste em crer que o homem desceu de um estado de glória e de comunicação com Deus a um estado de tristeza, de penitência e de afastamento de Deus, mas que, depois desta vida, seremos restabelecidos por um Messias que deve vir, sempre existiu sobre a terra. Todas as coisas passaram, subsistindo aquela para a qual todas as coisas existem. Os homens, na primeira idade do mundo, foram arrastados a toda sorte de desordens, embora houvesse santos como Enoc, Lamec, e outros, que esperavam pacientemente o Cristo prometido desde o começo do mundo. Noé viu a malícia dos homens no mais alto grau e mereceu salvar o mundo em sua pessoa pela esperança do Messias, do qual foi ele a figura. Abraão estava cercado de idólatras, quando Deus fez com que ele conhecesse o mistério do Messias, que ele saudou de longe. No tempo de Isac e de Jacó, a
abominação estava espalhada sobre toda a terra: mas, esses santos viviam na fé; e Jacó, morrendo e abençoando seus, filhos, exclama, num transporte que o obrigou a interromper seu discurso: Eu espero, meu Deus, o Salvador que prometeste: Salutare tuum expectabo, Domine (Gn 49:18).
Os egípcios estavam infectados de idolatria e de magia; o próprio povo de Deus era influenciado por seus exemplos. No entanto, Moisés e outros acreditavam naquele que não viam e o adoravam olhando para os dons naturais que ele lhes preparava.
Os gregos e os latinos, em seguida, fizeram reinar as falsas divindades; os poetas fizeram cem diversas teologias: os filósofos se separaram em mil seitas diferentes: no entanto, havia sempre, no coração da Judéia, homens escolhidos que presidiam à vinda de um Messias que só por eles era conhecido.
Ele veio, enfim, na consumação dos tempos: e, desde então, viram-se nascer tantos cismas e heresias, tantos desmoronamentos de Estados, tantas mudanças em todas as coisas; e essa Igreja a que adora aquele que sempre foi adorado subsistiu sem interrupção. E o que é admirável, incomparável e inteiramente divino, é que essa religião que sempre durou foi sempre combatida. Mil vezes esteve na iminência de uma destruição universal; e, todas as vezes que se achou nesse estado, Deus tornou a levantá-la com golpes extraordinários de potência. É assombroso que assim seja e que ela se mantenha sem dobrar-se e curvar-se sob a vontade dos tiranos.

Os Estados pereceriam se não se fizesse com que as leis se submetessem freqüentemente à necessidade. A religião, porém, nunca sofreu isso, nunca usou disso. São necessários ou esses acomodamentos ou milagres. Não é de estranhar que nos conservemos submissos, e isso não é propriamente manter-se; e ainda pereçam eles, enfim, inteiramente; não há o que tenha durado mil e quinhentos anos. Mas, que essa religião se mantenha sempre inflexível, isso é divino.

Blaise Pascal, Artigo III, Marcas da verdadeira religão, VII. 

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