quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Salmos 77:7-8

Rejeitará o Senhor para sempre e não tornará a ser favorável? Cessou para sempre a sua benignidade? Acabou-se a sua promessa para todas as gerações? (Salmos 77:7-8)
Rejeitará o Senhor para sempre? As declarações aqui feitas indubitavelmente formam parte das inquirições nas quais o salmista envolvera sua mente. Ele notifica que foi quase esmagado por uma longa sucessão de calamidades; pois ele só se viu impelido a usar essa linguagem quando teve que suportar aflição por um longo período de tempo, mal se aventurando a nutrir a esperança de que Deus futuramente o favoreceria. É possível que argumentasse consigo mesmo se Deus continuaria a ser gracioso; pois quando ele nos envolve em seu favor, faz isso com base no princípio de que ele continuará a no-lo estender até o fim. O salmista não se queixa propriamente de Deus nem encontra nele falha alguma, mas, antes, arrazoa consigo mesmo e conclui, à luz da natureza de Deus, que é impossível que ele não dê seguimento a seu gracioso favor em prol de seu povo, a quem uma vez se revelou como Pai. Visto que ele tem identificado todas as bênçãos que os fiéis recebem da divina mão com o mero beneplácito de Deus, como sua fonte, assim um pouco depois adiciona a bondade divina, como a dizer: Como posso crer ser possível que Deus interrompa o curso de seu paterno favor, quando se leva em conta que ele não pode privar-se de sua própria natureza? Vemos, pois, como, por meio de um argumento extraído da bondade de Deus, ele repele os assaltos da tentação. Quando formula a pergunta: sua palavra ou oráculo falhou? ele notifica que estava destituído de toda e qualquer consolação, visto não ter experimentado nenhuma promessa que apoiasse e fortalecesse sua fé. Somos deveras lançados num redemoinho de desespero quando Deus afasta de nós suas promessas nas quais nossa esperança e salvação estão incluídas. Se surge a objeção de que, como tais, era impossível, sem a palavra de Deus, ter a lei em suas mãos, respondo que, por conta da imperfeição da primeira dispensação, quando Cristo não havia ainda se manifestado, as promessas especiais eram então necessárias. Conseqüentemente, no Salmo 74.9 encontramos os fiéis se queixando de que não viam mais seus sinais costumeiros, e que não mais tinham em seu meio um profeta que tivesse conhecimento do tempo. Se Davi foi o autor deste Salmo, sabemos que em questões de dúvida e perplexidade era comum que ele solicitasse o conselho de Deus, e que Deus estava acostumado a conceder-lhe respostas. Se se visse privado dessa fonte de alívio no meio de suas calamidades, ele tinha razão de deplorar por não haver encontrado nenhum oráculo ou palavra para sustentar e fortalecer sua fé. Mas se o Salmo foi composto por algum outro profeta inspirado, esta queixa se adequará ao período que se interpõe entre a volta dos judeus do cativeiro babilônico e a vinda de Cristo; porque, durante esse tempo, o curso da profecia de certo modo estava interrompido e não havia ninguém investido de algum dom peculiar dado pelo Espírito Santo para alçar os corações daqueles que estavam prostrados ou apoiá-los e guardá-los de caírem. Além disso, às vezes ocorre que, embora a palavra de Deus nos seja oferecida, todavia ela não entra em nossas mentes, em decorrência de estarmos envolvidos em estresse tão profundo ao ponto de impedir-nos de receber ou admitir um mínimo grau de conforto. Eu, porém, endosso o primeiro sentido, ou, seja, que a Igreja estava agora sem aqueles anúncios especiais de profecia com que ela fora anteriormente favorecida, e que como ainda dependia da mera vista das sombras daquela economia, ela estava em constante necessidade de novos apoios. À luz deste fato podemos deduzir uma proveitosa lição, a saber: que não devemos viver indevidamente inquietos, caso Deus, em algum tempo, subtraia de nós sua palavra. Deve-se ter em mente que ele prova seu próprio povo através de métodos maravilhosos, para que cheguem à conclusão de que toda a Escritura chegou a seu próprio fim, e que, embora estejam desejosos de ouvir Deus falando, todavia não conseguem aplicar suas palavras a seu próprio caso particular. Esta, como eu já disse, é uma coisa angustiante e dolorosa; mas que não deve impedir que nos engajemos no exercício da oração.

João Calvino, O livro dos Salmos, volume 3
05-10-16

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Os doze espias

"Números, cap. 13 Versos 25 a 33 - Ao fim de quarenta dias, eles voltaram de sondar a terra. Ao chegarem, apresentaram-se a Moisés e ...