Um casamento não é mera formalidade social. Ele tem um significado bem mais profundo. Primeiro, porque duas pessoas querem fazer votos, promessas e assumir compromissos um com o outro diante de Deus, dos pais, parentes e amigos. Segundo, porque eles também desejam receber a bênção de Deus sobre sua união. Trata-se de um momento de alegria, de encontro, de comida, bebida, bolo, danças. Surgem, então, emoções do fundo da alma, emoções muitas vezes reprimidas pelas agruras do cotidiano.
Não há lugar melhor no mundo de se estar do que numa festa de casamento. Há uma memória inconsciente escondida no fundo da alma que se projeta para uma cena primordial na origem da vida humana. Naquele dia – o sexto, segundo o relato da criação –, Deus fez adormecer o homem e, diante de uma natureza silenciosa e reverente, criou a mulher. Despertado do sono, Adão declama o primeiro cântico da história humana: “Esta sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne! Ela será chamada mulher, porque do homem foi tirada” (Gn 2:23). E caminharam juntos pelo jardim, uniram-se e se tornaram uma só carne.
Numa festa de casamento, nossa memória genética faz contato com essa idade da inocência no Jardim do Éden. Somos tomados por uma misteriosa, intensa e contagiante alegria. A esperança é renovada. Alguns se emocionam e choram. Olhamos para os noivos e nos esquecemos das dificuldades do cotidiano. Acreditamos que o amor é possível, que pode extrair o que há de melhor em nós. É a esperança de ser acolhido, de pertencer, de ser reconhecido. Apesar das mazelas do mundo, nós nos sentimos melhores e, tal como os noivos, acreditamos que a humanidade também pode melhorar.
É também numa festa de casamento que sentimos de modo especial e profundo a presença de Deus e a presença do homem.
• O divino e o humano.
• O sagrado e o profano.
• O eterno e o efêmero.
• O amor absoluto e o amor humano.
• O perfeito e o imperfeito.
Essa presença divina está presente na primeira união, no jardim do Éden; nas bodas de Caná; no diálogo de Cântico dos Cânticos, entre Salomão e a Sulamita. O amor divino é a fonte e a origem de todos os amore humanos. Assim, a alegria, a esperança e a crença no amor não estão relacionadas somente á festa, mas a essa outra presença: a presença do divino, do sagrado, do eterno, enfim, a presença de Deus.
Contudo, eventos festivos não duram. A festa acaba. Segunda-feira acordamos e enfrentamos as dificuldades da vida, e cada um tem suas dores existenciais, emocionais, familiares, profissionais e físicas. A alegria, a esperança e o amor que experimentamos no dia da festa, de forma tão intensa, podem sucumbir. Como, então, proteger e cuida bem desses sentimentos?
Apenas se os votos assumidos pelos noivos servirem de ponte entra essas duas presenças, a divina e a humana. Apenas se pudermos dizer de todo coração, com toda a sinceridade, como toda a convicção: “Senhor nosso Deus, é pra valer! O compromisso que assumimos hoje é para toda a vida, damos nossa palavra diante de ti e dos homens. Queremos resistir a todos os desencontros, queremos guardar a alegria no dia mau, queremos guardar essa esperança na hora do conflito”.
Podemos divergir, desencontrar, enfrentar tensões inerentes a rum relacionamento a dois. Podemos até enfrentar aqueles sentimentos e desejos de desistências, de ruptura, tão próprios de nossa frágil humanidade e sua dificuldade de lidar com conflitos. Mas não podemos deixar de encontrar essa outra presença, diante de quem os votos são assumidos: a presença de Cristo, que, a partir de seu amor incondicional, nos ensina a perdoar, reconciliar e permanecer na alegria, na esperança e no amor.
Dessa forma, durante todos os dias da vida, em qualquer circunstância, os votos apresentados diante do ministro e do Juiz de paz estabelecem uma ponte com a presença amorosa de Deus, a única que pode garantir que a alegria, a esperança e amor sejam perenes. Refiro-me á alegria de amar o diferente, de amadurecer e envelhecer juntos; á esperança que excede a compreensão, uma capacidade de esperar o melhor; e a um amor que não exige perfeição, que respeita, que não obriga o outro a me fazer feliz, que se abre, que é transparente, sem agendas paralelas ou secretas – um amor fiel, que persevera, acolhe e encoraja; aprende, desaprende e reaprende jeitos de amar ao longo da vida; extrai do outro o que ele tem de melhor.
Devemos lembrar sempre que, por maior que seja esse amor, ele não pode preencher o vazio e a solidão que sentimos. Cônjuges são dádivas de Deus, e não seus substitutos. A cerimônia de casamento é o compromisso solene que fazemos com o amor de Deus e o amor um pelo outro, uma consagração para a vida toda, um vínculo indissolúvel. Daí surge o respeito, a fidelidade, o afeto. Venha o que vier, permaneceremos fiéis a Deus e um ao outro.
Hoje tive vontade de fazer uma festa. Vou cozinhar um prato especial, preparar a mesa com a melhor louça, enfeitar com flores e velas, abrir um bom vinho, colocar meus CDs favoritos. Ainda que seja só eu e Isabelle, hoje será dia de festa, com discurso e dança. Festa de renovação de votos de casamento.
Osmar Ludovico, pág. 101-104. Cap. Festa de Casamento.