"Lembro-me de Deus, e me lamento; queixo-me, e o meu espírito desfalece". (Salmos: 77. 3)
Lembrar-me-ei de Deus e me sentirei perturbado. O salmista aqui emprega uma variedade de expressões para expressar a intensidade de sua dor e, ao mesmo tempo, a profundidade de sua aflição. Ele se queixa de que o que se constituía no único antídoto para aliviar sua angústia tomara-se-lhe uma fonte de inquietude. Aliás, pode parecer estranho que a mente dos verdadeiros crentes seja perturbada com a lembrança de Deus. A intenção do escritor inspirado, porém, é simplesmente esta: embora apresentasse a Deus a angústia de sua mente, ela não era removida. Sem dúvida, repetidas vezes sucede que a lembrança de Deus em tempo de adversidade agrava ainda mais a angústia e perturbação dos justos; por exemplo, quando nutrem o senso de que ele está irado contra eles. O profeta, contudo, não pretende dizer que seu coração era atingido por nova angústia e inquietude sempre que Deus surgia em sua lembrança; ele simplesmente lamenta que nenhuma consolação emanava de Deus que lhe propiciasse alívio; e essa é uma provação muitíssimo difícil de suportar. Não surpreende contemplar os ímpios torturados por pavorosa agonia mental; porque, já que seu grande objetivo e empenho é afastar-se de Deus, então que sofram o castigo que merecem por conta de sua rebelião contra ele. Mas quando a lembrança de Deus, da qual buscamos extrair consolação para aliviar as nossas calamidades, não oferece repouso nem tranqüilidade a nossas mentes, então nos dispomos a crer que ele está se divertindo a nossas custas. Somos, não obstante, instruídos por esta passagem que, quanto mais experimentamos irritação, angústia e inquietude, mais devemos perseverar no exercício de invocar a Deus mesmo diante de todos esses impedimentos.
João Calvino, O livro dos Salmos, volume 3.
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